sábado, 5 de novembro de 2016

Esboço de autoanálise: a experiência como professor em uma rede privada de ensino.


Um olhar acido acerca da Educação 



Nos últimos dias tenho pensado muito sobre algumas relações que, até então, eu não havia passado. Falo especificamente sobre a experiência como professor em uma escola privada. Talvez essa angústia - que persiste em ficar - esteja relacionada a um certo idealismo em relação à educação; ou, talvez, aos poucos dias em que eu lecionei naquele lugar. No entanto, pensar desse jeito seria ignorar todas as relações de trabalho que se travam ali. 

Em primeiro lugar, a partir do momento em que eu visto um jaleco com o nome da escola, sinto um fragmento da minha liberdade escapando pelas minhas mãos e, o pior, fugindo do meu controle. É extremamente estranho a um profissional da educação ter que vestir "a camisa da empresa", ideia esta fora de lugar em relação ao campo da educação. Em segundo lugar, sinto-me invadido a partir do momento em que o meu trabalho é sempre comparado, ou em vias de ser comparado, ao trabalho do antigo professor e da "matriarca" da escola. Sim, matriarca, caro leitor, pois a diretora lecionava a mesma matéria na qual eu iniciei. Essa extrema relação particular traz consigo a ausência de ética no ambiente de trabalho. As regras, as quais deveriam ser explicadas do ponto de vista formal e impessoal, são transmitidas a partir de exemplos do trabalho alheio (ou do trabalho de outros professores) e de opiniões enviesadas dos alunos. Mas claro que isso não me espanta nem um pouco, pois a pessoalidade é uma das características nacionais que compõem o cotidiano de todos os brasileiros; ela está presente tanto na fronteira desbotada entre o público e o privado quanto nas relações de trabalho, cuja característica básica não é julgar o labor sob o princípio do mérito e da sua formação acadêmica, mas, sim, se o indivíduo atende às vontades e o arbítrio da matriarca da pequena escola.

Todas essas pequenas relações, que talvez o leitor julgue como fúteis e desnecessárias de crítica, são o exemplo concreto do início da perda de autonomia e de liberdade no trabalho. A "proletariazação" do professor aparece como relação cristalizada da perda de autonomia. O conhecimento não é trabalhado livremente e de modo complexo com os alunos. Ele paulatinamente fica restrito com o passar dos anos, atendendo somente as exigências da "empresa". A extrema liberdade na produção do saber não significa que o professor possa ser arbitrário na construção educacional de cada aluno; significa, somente, que o profissional da educação, com toda sua bagagem teórica, possa construir o plano de aulas independentemente do livro didático escolhido pela instituição. O livro didático serviria para ser uma base inicial ao aluno, algo que ele pudesse consultar em casa. Mas em hipótese alguma ser a única ferramenta de acesso à cultura.

O argumento para o uso do livro didático é simples e possui um caráter utilitarista: os pais pagaram pelo livro, portanto, use-o. Não existe uma concepção educacional por trás do uso, muito menos de mediação do conteúdo das humanidades para o ensino médio. Esse último fator, torna-se secundário na formação daqueles adolescentes. Mediação, o que significa isso mesmo? Creio que esse é o pensamento da direção e de alguns professores.

Por falar no corpo docente, ele é a tipificação da classe média ou do cidadão médio que atua na educação: sente-se superior em relação aos professores da rede pública, mas não reflete sobre a sua condição de proletário em uma instituição privada de ensino, tão pequena quanto a mentalidade dos mesmos. Outro aspecto relevante: submetem-se à direção sem pestanejar, pois a sobrevivência da sua vida material depende do seu emprego medíocre. Mas mesmo assim, continuam a perpetuar e exalar sua arrogância. Uma coisa é certa: os corpos dialogam; eles exprimem determinadas características de classe. Tais características  ganham, certas vezes, formas abomináveis. 

Talvez esse tipo de professorado represente essa aberração social do século XXI: o cidadão médio que não reconhece a sua própria mediocridade e não percebe que todos nós estamos submersos na merda, somente com o nariz para fora, na esperança de respirarmos ares melhores antes de nos afogarmos de vez. 

Caio Santos 

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