segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

*A Tragédia de Paraisópolis e a Indiferença diante da Barbárie*



A única novidade desse domingo era ser o 1° de dezembro, do assombroso ano de 2019, que parece ser 1808, 1850, ou qualquer ano imperial, escravocrata em que a democracia esteve por um fio.

Cedo as primeiras notícias de que houve mais uma tragédia na segunda maior favela de São Paulo, Paraisópolis, ali colada aos bacanas do Morumbi, que enfeia a paisagem, com a imagem da exclusão. 

A tensão aumenta a cada novo vídeo,  a narrativa da Polícia Militar, de que perseguiu dois fugitivos e que estes provocaram o tumulto, se dissolveu em horas, com as imagens dos celulares dos sobreviventes da tragédia. 

A intensa troca de telefonemas e de mensagens, com o Ouvidor da Polícia, com integrantes da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP, com advogados e com jornalistas vai alterando a percepção da enorme gravidade, o clamor contra impunidade aumenta.

A noite caí, a nota da Comissão de Direitos Humanos da OAB/SP e a fala da Presidente da Comissão têm grande repercussão, mãos notas de entidades de Direitos Humanos, reforçam a necessidade de exigir rigorosa apuração.

O fechar de domingo parece certo, entretanto somos chamados para ação, os corpos das vítimas estão sendo liberados pelo Instituto Médico Legal (IML) sem a certeza de que as perícias foram feitas com os detalhes necessários para esclarecimentos das mortes.



Fonte - google 


Somos levantados para entrar na segunda, em  pleno IML, ali é o último e mais doloroso recanto da tragédia, as famílias e familiares são chamados para reconhecer e levar seus mortos. 

Chegando lá um grupo de jornalistas ávidos por um fiapo de história,  mesmo com a gigante tragédia ali, aos seus olhos. Deram com a falta de vontade do IML para apenas dizer como foram feitas a perícia, ainda que questionados por nossas entidades legítimas, OAB e CONDEPE,  resposta padrão,  amanhã voltem aqui, pois não tem ninguém responsável que possa falar.

Encontramos as últimas famílias, o choro desesperado de um senhor, nos chama a atenção, corremos para acolhê-lo, dar água e conversar.

Rapidamente nos conta que acabou de reconhecer seu filho, ainda que "não nasceu de mim, mas era meu, apesar de descender de pai japonês, diziam que parecia comigo". Repete que ele faria 21 anos em janeiro. 

Minutos depois uma moça grita desesperada, viu uma foto do rosto e braço tatuado de sua prima/irmã, mal completara 18 anos, estava desgarrada, não tinha pai e nem mãe, era criada pelo tio, que chega depois.

Mesmo com insistência, não somos atendidos,  a veia de advogado fala mais alto, de próprio punho registramos nossos protestos pela recusa do IML em fornecer informações precisas e essenciais ao caso.

A comoção da madrugada segue uma dor e um resto de noite insone, como dormir diante de tão dilacerante tragédia, pensar naqueles jovens encurralados numa viela estreita, numa correria insana, acabam por morrer, naquilo que seria apenas um baile funk, de celebrar a alegria, dos mais simples, periféricos e pobres de um sociedade que os excluiu.

A vida acorda mais triste e o peso de nossas responsabilidades aumenta a cada dia, a pela dignidade humana, pelos direitos fundamentais e humanos, que o Estado chegue aos mais pobres, não por balas, mas por inclusão e paz.

A utopia nossa que dias/madrugadas assim, é  posta em xeque. 

*Arnobio Rocha - Coordenador do Núcleo de Ações Emergenciais e de Defesa de Direitos Ameaçados, da comissão de direitos humanos da OAB/SP*