segunda-feira, 12 de agosto de 2019

A erudição não nos retira da exploração.


os descaminhos da plebe de cor



Quando consegui uma bolsa no doutorado, foram me entrevistar lá na periferia. Foi uma loucura! Minha mãe chamou todos os vizinhos e fez café para servir em xícaras, chamou minha tia para ajudar a deixar a casa intacta e limpa. Haha, até hoje não consigo ver o vídeo no YouTube. Foi engraçado...

Ela dizia: "Vem ver, Sueli! Vem, Maria! Inventaram de entrevistar a Elaine, não sei por quê. Esta menina sempre estudou." Meu irmão estava todo feliz, achando que ia ficar famoso. Mas minha única preocupação era mostrar que aquilo não era comum e que nunca deveria parecer meritocrático.

Falei várias vezes que era uma exceção e que, mesmo com todos os esforços, as estruturas nunca mudam. Ter um doutorado não te inclui no mercado de trabalho porque a maioria das pessoas que aqui chegaram já possuem todos os símbolos e contatos que nunca tive condições de construir. Logo, estou acessando e, ao mesmo tempo, sendo excluída. Por isso, não exalto títulos, mas sim o conhecimento, porque só este pode mudar nossa situação. Foi importante conseguir, afinal não é sempre que alguém da periferia resolve estudar extrativismo, petróleo e energia... Meu bairro ficou feliz e se orgulha.

Na minha cabeça, sou incapaz de comemorar quando a maioria vive mal. Como disse, o "eu" só existe no "nós". Não apago as conquistas; ao contrário, coloco todas no mesmo patamar para que caminhemos juntos. Um título não mudará aquilo que fui no São Jorge e que ainda sou.

As pessoas gostam de se diferenciar, mas eu gosto de igualdade de acessos. Há muita gente sem título nenhum com muito mais sabedoria do que eu. Foram essas pessoas que mais me ensinaram, nas greves do ABC, quando ainda criança acompanhava meu pai, e por isso as honro, porque lutamos para mudar.




FONTE https://br.napster.com/artist/el-plebe/album/entre-cerveza-ritmo-y-emocion-ep