segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Não nos chamem de mulatas, mas saibam porquê?


Este pequeno texto explica bastante da complexidade em analisar tudo de forma bipolar, a realidade é bastante complexa e o Pedro Gil (autor do texto) demonstra como em muitos momentos queremos buscar originalidade na nossa colonização, contudo, como dizia Marx a história da humanidade é a história luta de classes, assim, houve sempre dominadores e dominados que precisamos sim, a partir da realidade por nós vivenciada, buscar sentido,  mas sem imitação, sem importação de conceitos, como parece ter ocorrido com o termo "mulata". Nem sempre ele foi (ou é) pejorativo, mas também não deveria ser usado como tal, por fim é o contexto que nos dá a dimensão de ofensa. 

Di Cavalcanti, por exemplo, retratou em sua obra diversas facetas daquilo que pensava ser o povo brasileiro, em uma de suas peças "Duas Mulatas" demonstra a mestiçagem algo que ele mesmo reduziu a uma visão estereotipada. 

A mulata, para mim, é um símbolo do Brasil. Ela não é preta nem branca. Nem rica nem pobre. Gosta de música, gosta do futebol, como nosso povo. (Di Cavalcanti)

Duas Mulatas - 1962


O fato é que ele retratou um Brasil que existia e quando foi que o termo passou a ser entendido como pejorativo? Pedro Gil nos conta....



Existem 3 teorias que as pessoas costumam espalhar por ai sobre a origem da palavra mulato (a):


1 - A palavra mulato tem relação com a palavra “mulo (a)”. O português foi buscar diretamente no latim “mulus”, no século XV, a palavra “mulo”, ou seja, animal híbrido, estéril, produto de acasalamento entre cavalo e jumenta ou égua com jumento. Em qualquer livro didático se acha essa explicação. 


2 - No século seguinte, por influência do espanhol, o termo “mulato” era usado para designar um mulo jovem, e foi certamente por analogia com o caráter mestiço do animal que a palavra passou – a partir de meados do século XVI, segundo o Houaiss – a ser aplicada também, como adjetivo e substantivo, a pessoas descendentes de brancos e negros. 
O tom depreciativo da associação original é indiscutível e facilmente explicável pelo racismo escancarado de uma época escravocrata. O que cabe discutir é se vale a pena condenar o vocábulo por causa disso. 

Então o termo mulato serve para todos? 

NÃO! Nem todos tiveram contato com a colonização espanhola (Nordeste do Brasil por exemplo. Já no sul houve bastante contato). Esse termo pode ter muita força do lado espanhol. Mas do português não é exatamente assim. Outra interpretação para o termo. 

3 - Segundo Lita Chastan “A palavra mulata poderia ter se originado do termo árabe muwallad (= mestiço de árabe com ‘não árabe’). O homem que ‘garimpou’ essa palavra (muwallad), conhecia, presenciara e presenciava essa mestiçagem, tanto assim, que buscou em sua língua uma definição (registrando e batizando-a), não deixando margem a nenhuma dúvida: muwallad = mestiço de árabe com ‘não árabe’. Esse homem a quem se deve esse registro, tudo indica que poderia ser um árabe do norte da África e que referia-se (inicialmente) ao mestiço do árabe com a negra – a não árabe’, diz ela”. E isso faz total sentido, já que portugueses e árabes mantinham comércio muito forte, assim como os árabes mantinham negócios (sim, escravidão, mas diferente do que era feito pelos europeus, haviam particularidades) na África. 

Lita Chastan destaca a presença da cultura árabe na formação da língua portuguesa. “Podemos visualizar o árabe atravessando o Estreito de Gibraltar (711 d.C.). Desde então, no decorrer de oito séculos (711–1492), o vocabulário português viu-se enriquecido com centenas de palavras árabes, dentre as quais, por extensão e analogia, mulata”, afirma, no artigo “MULATA, estudo de um caso mal contado”. E completa: “Muwallad (mualad, mulad) = mestiço do árabe com o ‘não árabe’ / Mulata = mestiça do branco com a negra. Concluímos (ainda na década de 1980), na tão querida e saudosa Unitau – cursando história, frente a frente com a História da Península Ibérica, que a palavra mulata é corruptela do termo árabe muwallad (mualad, mulad, mulata)”.

Algumas vezes os movimentos negros e seus sujeitos são extremamente eurocêntricos ou papagaios dos movimentos negros norte-americanos, esquecendo das DIVERSAS peculiaridades da formação da identidade e particularidades do povo brasileiro.

Texto escrito por Pedro Gil - no Twitter @Pedro_Gils 

domingo, 16 de dezembro de 2018

Poesia Latinoamericana - Roque Dalton



O poeta Roque Dalton (Roque Antonio Dalton Garcia) nasceu em 1935 em San Salvador (El Salvador) é conhecido por seus escritos e também pelo seu ativismo político. Sua obra é valiosa em tempos como o nosso foi um homem de  luta em teoria e ação. 



Fonte - http://latitudeslatinas.com/



ATA
(poeta guerrilheiro Roque Dalton, El Salvador, 1935-1975)




Em nome de quem lava roupa alheia
(e expulsa da brancura o sebo alheio)
Em nome de quem cuida de filhos alheios
(e vende sua força de trabalho
em forma de amor maternal e humilhações)
Em nome de quem habita um domicílio alheio
(que já não é ventre amável mas sim uma tumba ou cadeia)
Em nome de quem come pães amanhecidos alheios
(e ainda assim mastiga-os com sentimento de ladrão)
Em nome de quem vive num país alheio
(as casas e as fábricas e os comércios
e as ruas e as cidades e os povos
e os rios e os lagos e os vulcões e os morros
são sempre de outros
e por isso estão aí a polícia e a guarda
protegendo-os de nós)
Em nome de quem o único que tem
é fome exploração doenças
sede de justiça e de água
perseguições condenações
solidão abandono opressão morte
Eu acuso a propriedade privada
de privar-nos de tudo.