domingo, 2 de agosto de 2020

A necessidade da revolução democrática para uma nova ordem social



Estamos diante de uma gravíssima situação nacional. As esquerdas conservadoras, ao não compreenderem ser o próprio capital o agente da demolição nacional, não elegem os trabalhadores como eixo da transformação socioeconômica necessária. É preferível a derrota eleitoral com os trabalhadores humilhados e miserabilizados pelo desmonte neoliberal, do que o abraço com a burguesia criadora deste pandemônio neocolonial que nos avassala. É preciso abrir caminhos para quebrar o círculo vicioso das derrotas e desmanches sucessivos.

São muitas as variantes de democracia rolando na praça. 

A finada Nova República, na fase final, experimentou o duopólio PT x PSDB, cujo neoliberalismo social pretendeu conviver com o melhorismo nos marcos da fúria nacional, sob batuta mundial, do novo capital financeiro. As burguesias vetaram essa democracia melhorista, com ajuda substantiva dos gringos. Puseram no poder a ultradireita, adepta da democracia restritíssima da autocracia sob jugo plutocrático banqueiro.

A experiência de construção de um capitalismo melhorado sob o capital financeiro faliu. Aqui e no Chile, veja o que nos espera. Os marxistas brasileiros já haviam descoberto, nos anos 60, a impossibilidade, em nossa particularidade histórica - assim como de todas as ex-colônias ibéricas -  de democracia capitalista e soberania econômica e política nacional. Nossas burguesias nunca quiseram isso. Somente a expansão, o salto democrático sob a égide dos interesses das maiorias trabalhadoras nos levará à estabilidade democrática e à plena soberania, com cidadania plena do trabalho frente ao capital.

Isso se chama revolução democrática. 

Infelizmente, nenhuma das esquerdas conservadoras, da mais à menos civilizada, pensa assim.
Ou seja, ainda estaremos por longo tempo sujeitos aos sucessivos desmanches promovidos pela contrarrevolução permanente advogada desde sempre por de nossas classes proprietárias e seus amos. Sem uma poderosa força da democracia revolucionária não quebraremos o encantamento que nos prende à miséria, à dependência neocolonial e à batuta da contrarrevolução.

Hoje, todas as forças da democracia conservadora, do derrotado melhorismo mais civilizado até a antidemocracia no poder se organizam, nestes instantes, para disputar a divisão do orçamento público nas próximas eleições, todas elas solidárias com a alienação social e econômica dos trabalhadores como resultado das unânimes reformas capitalistas promulgadas pelo congresso, por iniciativa do executivo. 

Todas as forças da democracia conservadora estão unidas em torno de sua nova democracia, dessas reformas exclusivas pró-capital, forma de criar a inserção neocolonial da nação, ou seja, a destruição da nação e sua transformação em espaço de regência de classes burguesas neo-vassalas do novo capital financeiro, forma específica de refeudalização capitalista da reprodução social. Sua nova democracia pressupõe a expulsão dos trabalhadores da arena socioeconômica e política em prol daquilo que para todos é pressuposto estratégico, as reformas capitalistas exclusivas dos interesses do capital e a inevitável constrição da democracia ao mínimo necessário para o livre negócio dos blocos políticos da ordem. 

A liofilização da ultradireita antidemocrática agora interessa para a divisão do orçamento público, embora esta força política ainda permaneça sendo fonte vital dinâmica das reformas nacionais necessárias ao capital e sua arquitetura mundial neoliberal. 

Os trabalhadores continuam, desse modo, vítimas do círculo vicioso das inevitáveis derrotas sucessivas e dos subsequentes desmanches de suas conquistas em ciclos crônicos de repressão e violência institucional necessários para mantê-los ordeiros e disciplinados em sua avançada miséria e desemprego, em sua acrescida impotência política.

Texto de Paulo Lima 

quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Gramsci para 2020

Toda manhã, ao acordar mais uma vez sob o manto do céu, sinto que para mim é o primeiro dia do ano.

Por isso odeio estes anos novos a prazo fixo, que transformam a vida e o espírito humano em uma empresa comercial, com sua prestação de contas, seu balanço e suas previsões para a nova gestão. Eles fazem com que se perca o sentido de continuidade da vida e do espírito. Termina-se por acreditar a sério que entre um ano e outro exista uma solução de continuidade e comece uma nova história; fazem-se promessas e projetos, as pessoas se arrependem dos erros cometidos, etc. É um equívoco geral que afeta todas as datas.

Dizem que a cronologia é a ossatura da história. Pode-se admitir que sim. Mas também é preciso admitir que há quatro ou cinco datas fundamentais, que toda pessoa conserva gravadas no cérebro, datas que tiveram efeito devastador na história. Também elas são primeiros dias de ano. O Ano Novo da história romana, ou da Idade Média, ou da era moderna. Elas se tornaram tão presentes que nos surpreendemos a pensar algumas vezes que a vida na Itália começou em 752, e que 1490 ou 1492 são como montanhas que a humanidade ultrapassou de um só golpe para entrar em um novo mundo e em uma nova vida.

Com isso, a data converte-se em um fardo, um parapeito que impede que se veja que a história continua a se desenvolver de acordo com uma mesma linha fundamental, sem interrupções bruscas, como quando o filme se rompe no cinema e se abre um intervalo de luz ofuscante.

Por isso odeio o ano novo ano. Quero que cada manhã seja um ano novo para mim. A cada dia quero ajustar as contas comigo mesmo e renovar-me. Nenhum dia previamente estabelecido para o descanso. As pausas eu escolho sozinho, quando me sinto embriagado de vida intensa e desejo mergulhar na animalidade para extrair um novo vigor.

Nenhum disfarce espiritual. Cada hora da minha vida eu gostaria que fosse nova, ainda que vinculada às horas já passadas. Nenhum dia de júbilo coletivo obrigatório, a ser compartilhado com estranhos que não me interessam. Só porque festejaram os avós dos nossos avós, etc., teremos também nós de sentir a necessidade de festejar? Tudo isso dá náuseas.

Espero o socialismo também por esta razão. Porque mandará para o lixo todas estas datas que já não têm nenhuma ressonância em nosso espírito. E se o socialismo vier a criar novas datas, ao menos serão as nossas e não aquelas que temos de aceitar sem benefício de inventário dos nossos ignorantes antepassados.

Turim, 1º de janeiro de 1916.

* Tradução ao português tomando por base o texto em Espanhol Tomado do Livro “Bajo la Mole - Fragmentos de Civilización”, de Antonio Gramsci. Editorial Sequitur, Págs. 9-10.