quarta-feira, 5 de abril de 2017

Equador está dividido, assim como toda a América Latina.

Entrevista publicada originalmente em 04 de abril na página







Como avalia o resultado da eleição presidencial no Equador? Você concorda com a visão de alguns analistas de que o Equador está dividido?

A partir do resultado um tanto angustiada de domingo 02.04 e da vitória de Lenin Moreno com 51,02% e 98,14 dos votos contados, observou-se que quase a metade do país não está com o sucessor do Correa, seja pelo voto em Lasso, seja pelo branco ou nulo.
Penso que agora se abre uma nova etapa, não porque Lenin, governará sob tutela de Correa como dizem muitos estudiosos. O que penso é que será pouco provável que Lenin consiga manter suas propostas com todo o potencial que elas merecem, simplesmente, porque o Equador passa por seu momento de crise, devido a baixa dos preços do petróleo, que continuam sendo o motor do desenvolvimento do país. Talvez uma coisa a ser discutido seja a criação de um fundo social a partir do petróleo ou do extrativismo, algo que não ocorreu.
E sim, o país está dividido, descontente, bem como toda América Latina. O que ocorre no Equador, não está alheado do que passa na América Latina. Um sentimento generalizado de insatisfação e tal fato possibilita o ressurgimento de figuras conservadores que encontram nesse desagrado diluído, um mecanismo de canalizar forças para a direita. A máxima de Marx, que a história da sociedade é a história da luta de classes nunca esteve tão atual, obviamente que é uma classe que tem género, que tem cor e etnias, mas que no comum segue oprimida e o capitalismo sabe muito bem como tirar proveito das diferenças. Entender como essa classe se move nos dias atuais é uma tarefa árdua, o imprescindível que é nossa força seguir lutando é o fato que o mundo não está dado tampouco é irremovível.


A partir de agora, o que muda e o que permanece em relação ao governo de Rafael Correa? O que o resultado significa para o correísmo?

Correa foi o nome do Alianza País, dai esse culto ao correísmo como se ele fosse o principal e único mandatário em seu governo, vale relembrar que o Equador é historicamente conhecido por suas insurreições populares e muitos presidentes foram derrubados por meio destas ações. Em 2015, por exemplo, Correa enfrentou uma série de manifestações que alguns denominaram como “La primavera de Quito”. Os movimentos sociais se sentiam traídos no que concerne às suas demandas que foram prometidas, mas não atendidas e se quer dialogadas neste governo. Este é o ponto chave destes governos denominados à esquerda que assumiram na América Latina, perderam completamente o contato com a realidade da população, o diálogo com os movimentos sociais. Isto é fundamental, ouvir a demanda das pessoas, seus anseios e angustias.
Ao que parece a esquerda está atrelada somente ao institucional, tudo gira em torno do institucional e na América Latina as instituições não merecem credibilidade e confiabilidade. Através da leitura do plano de trabalho de Lenín Moreno é percetível que ele pretende seguir com as reformas iniciadas por Correa, que desde 2007 modernizou o capitalismo e a injustiça social foi combatida algo que tem sua importância, entretanto, não acredito que ele conseguirá manter os mesmos investimentos nos setores sociais, a não ser que crie um endividamento ainda maior, ou seja, se curve ao capital internacional, como de costume.

A campanha teve momentos de acirramento e episódios polêmicos, como as hostilidades a Guillermo Lasso no Estádio Olímpico de Quito. Que avaliação faz da campanha, em seus dois turnos?

O primeiro turno me pareceu mais tranquilo, já que Lenin, junto com Correa, apostavam na vitória logo primeiro turno. Mesmo com fortes criticas que o correismo recebia, principalmente por seus últimos de governo confiavam que os equatorianos levariam a frente seu projeto. Todavia, não foi o que ocorreu e o país foi para o segundo turno, mostrando todo seu desapontamento frente as políticas exercidas.
No segundo turno notou- se um certo desespero de ambos os lados para fazer validar seu programa político.
Lasso, o banqueiro, se apoiou nos incumprimentos de Correa para angariar com os descontentes dos últimos dez anos, prometendo mudar Estatutos nas Leis de Comunicação e isso se acirrou quando em 22 de março a periodista Rosana Alvarado declarou uma fraude realizada no Centro de Estudios de Datos (Cedatos) que favoreceu o candidato de direita. A periodista se baseou em emails que demonstravam a manipulação dos dados bem como cheques que foram entregues a Cedatos por empresas como Livercostas, através do Banco de Guayaquil.
A imprensa também não ficou de fora e foram utilizados todos os meios para dissimular e manipular as opiniões, isso acaba por polarizar e acirrar os ânimos dos eleitores, tanto que no dia 28 de março o candidato Lasso foi agredido no estádio de futebol durante a partida do Equador contra Colômbia realizado em Quito. Por outro lado, também houve episódios aterradores de imagens colocadas na internet hostilizando o fato do candidato Lenin ser um cadeirante. Foi uma campanha suja, resvalada pela falta de humanidade e limite.         
Muita coisa esteve em jogo nesse segundo turno, em dado momento a mulher de Leopoldo Lopez (oposição na Venezuela, preso desde 2014) Lilian Tintori[1], queria entrar no país para fazer campanha a favor do banqueiro Lasso, obviamente, foi proibida e teve que voltar à Miami. Em 18.03.2017, duas semanas antes da decisão nas urnas a periodista Argentina Cynthia Garcia publicou uma matéria acerca da vinculação de Guilherme Lasso candidato do (CREO) com no mínimo 49 empresas offshore domiciliada em paraísos fiscais (Panamá, Ilhas Caimã e Delaware – EE.UU).


Durante a campanha, algumas entidades indígenas, como o Conaie, manifestaram posicionamento contrário ao partido de Rafael Correa. O que explica que um governo que se pretende próximo de movimentos sociais e indígenas seja rejeitado por uma organização indígena?

Compreendo a postura da Conaie, que encontrou neste posicionamento uma maneira de revidar os ataques repressivos, que não foram poucos, acometidos durantes esses últimos anos no governo de Correa. Por outro lado, me parece um tanto arriscado o apoio a Guillermo Lasso sabendo que nunca, na história, nenhum banqueiro esteve a favor da luta indígena ou de qualquer outra que melhore a vida das pessoas. É uma falta de estratégia, a meu ver, e um ressentimento. As comunidades indígenas estão lutando há muito tempo, estão cansados de ver seus direitos, suas terras e principalmente suas vidas tratadas de forma rebaixada. Eu os entendo, embora não concorde com o posicionamento.
Posto isto, acredito que os últimos anos também foram pedagógicos para os movimentos sociais e comunidades indígenas, pois, perceberam que só a representatividade legal constitucional foi pouco para que seus direitos fossem respeitados na totalidade. Logo, a mobilização é o caminho, somente a pressão social pode romper com tais estruturas que nos prendem. Mesmo com um discurso astuto, considero um recuo dar voto a um banqueiro, já que de forma mais ampla, este setor não precisa ganhar as eleições são eles que dão as cartas do jogo dentro do Estado, não é um setor que está do lado da sociedade em nenhum momento, por outro lado são os que sempre ganham mesmo quando a economia parece estar em recesso.   
Alguns intelectuais declararam voto nulo, para mim isso é um erro, o terreno das transformações não se dá exclusivamente pela prática da militância institucional, contudo ao desertar esse terreno colocamo-nos em situação social cada vez mais dramática para as classes sociais em suas disputas e isso é que o vem fazendo a esquerda Crítica da Crítica[2] equatoriana que de tão crítica virou as costas para a teoria e espera no vazio uma “situação revolucionária” que nunca virá, sem trabalho, esforço teórico e prático. Me refiro ao trabalho de luta no cotidiano, da disputa diária, que muitos se negam a fazer...recordo aqui um exemplo brasileiro que estive a ver por esses dias... a Universidade de São Paulo deve reunir em outubro grandes nomes da intelectualidade brasileira e estrangeira para discutir os Cem anos da Revolução Russa na USP, eu me pergunto, porque não vão às escolas públicas de São Paulo? falar com os alunos que estão lá e que necessitam de outras vozes, àqueles que ocuparam suas escolas. Concentram-se sempre nos mesmos lugares que são inacessíveis para a maioria, não pactuam com o povo em sua vida comum, nos vários lugares que frequentam. Com esse progressismo ou esquerda marxista de gabinete não sairemos do lugar e declarar mil vezes que a Revolução tem que ser socialista, ecologista ou pós extrativista, ou sei lá o que dos modismos que surgem, não vai fazer com que ela aconteça.


Como avalia o legado de Rafael Correa após dez anos no cargo? Como classifica o seu governo em termos da esquerda e do progressismo?

O Equador não é o mesmo de dez ano atrás, ocorrem muitas mudanças em termos sociais que abrandou as desigualdades, todavia este projeto do “melhorismo” desde o segundo mandato de Correa já dava sinais de desgaste.
O ano de 2015 foi o ápice deste desagrado e os equatorianos demonstraram sua insatisfação desde a chamada “Ley de Herencias” que balizava a compra e venda de imoveis como tentativa de combater a especulação imobiliária e fazer com que os ricos pagassem mais impostos, duas semanas depois o Comité Empresarial do Equador rejeitou a proposta e logo começaram a organizar manifestação pelas redes sociais, obviamente que a direita não deixou espaço vazio e o parlamentar André Paez da oposição Criando Oportunidades (Creo)  fez um chamado no Twitter convocando toda a população para o que denominou como “Caravana do Luto”, Jaime Nebot (explicar) chegou a cancelar sua viagem a Nova York para convocar uma manifestação toda essa situação desgastou ainda mais a imagem do Correa.
Correa ganhou forte impopularidade desde o seu segundo governo quando tomou decisões duras e por vezes autoritárias contra os movimentos sociais e indígenas, não respeitou as consultas (legalmente validadas) quanto a exploração petrolífera na Reserva Yasuní tão pouco as mulheres que continuaram invisibilizadas e a morrer em clinicas clandestinas de aborto. Corrêa teve uma postura bastante verticalizada para um presidente que primava o respeito e a Revolução...
Ainda que as manifestações de 2015 apareçam como espontâneas, por mais que a história nos surpreenda as vezes, não foi esse o caso, com todo o descontentamento da população, a direita se aproveitou e fez das manifestações algo de seu interesse como a reivindicação contra a Ley de Herencias” e agregou muitos cidadãos que sequer estavam envolvidos nas manifestações em benefícios desta burguesia. Ou seja, a velha oposição ressurgiu e mostrou a facilidade de canalizar as reivindicações a seu favor. E isto é o que está acontecendo em toda América Latina, a direita está nadando de braçadas contra a população.
O que chamam Revolução Cidadã é a construção de estradas, hidrelétricas, redução da pobreza e do analfabetismo, isto não é Revolução, é sim um melhorismo, não se pode amalgamar as coisas. Os equatorianos obtiveram bons resultados em termos de índices e de acessos, mas qual é problema central da desigualdade neste país? não houve qualquer empenho de discussão nesse sentido.
Já o Progressismo é a catástrofe, até porque ele não existe, para mim é administração do sofrimento, um paliativo. Já basta de sofrimento!! aqueles que são oprimidos todos os dias, em qualquer país, sabem bem que aquilo que chamamos de “estado de exceção” como diria Benjamin é uma regra geral, pois é contra isso que devemos lutar. A esquerda precisa de um projeto emancipatório em seu horizonte e fazer o caminho para essa realização, a esquerda é (ou deveria ser) muito maior do que esta organização representativa e partidária, tem como tarefa organizar–se ao povo


O que a eleição significa para a inserção internacional do Equador e que impacto o resultado pode ter na América Latina?

A América Latina vive tempos difíceis em termos políticos um retrocesso que vem a galope, há uma dificuldade em confluir forças para enfrentar toda esta onda que estamos vivendo, uma espécie de ditadura dos monopólios crescentes, um capitalismo que está subordinado as dinâmicas mundiais.
O grande capital só realiza sua entrada na América Latina por via do extrativismo, do agronegócio, da expropriação e isto de alguma forma, nos últimos anos, levou uma grande parcela da população a consumir criando uma “classe consumidora” subproletária e despolitizada. Muitos autores falam do pós- extrativismo, pós-desenvolvimento, são teorias necessárias, mas pessoalmente não consigo vislumbra-las na prática, principalmente, na forma atual sob as bases nas quais o capitalismo se desenvolve que são cada vez mais rápidas e não lineares. Adentram um debate se Marx seria ou não extractivista, sinceramente...não vejo qualquer sentido nesta discussão, eu sempre lembro de algo que li quando estava ainda na graduação de um autor chamado José Chasin que dizia:

O conjunto de sua obra de Marx é um imenso queijo suíço onde os buracos são maiores do que as partes carnudas, isto é, problemas não tematizados que vão levar sei lá quantos séculos para serem tematizados. Mas os ligamentos existentes, as carnes, oferecem pontos de partida para estas tematizações. Ninguém pode se dirigir ao Marx esperando encontrar um conjunto elaborado onde a questão ontológica, gnosiológica e infinitas outras estejam já ali prontas.[3]


Alguém supõe que a teoria de Marx está conclusa? Não é o momento de reinventarmos a roda, vamos reler nossos autores críticos na América Latina que contribuíram para a leitura da realidade, olhar para o mundo a partir das suas particularidades. Em contrapartida, se quisermos um desenvolvimento anómalo vamos nos manter nas brumas, do capitalismo verde, humano, sustentável ou qualquer coisa que não leve a lugar algum.

Que projeção faz o cenário dos próximos anos no país? Quais são os principais desafios para o presidente eleito?

Os preços do petróleo estão caindo, há uma crise económica e politica mundial, por outro lado há também uma busca por opções energéticas que permita aos países centrais não dependerem em demasia dos países subdesenvolvidos. Em seu plano de trabalho Moreno enfatiza que o Equador foi o país que mais fez uso da riqueza petroleira no combate a pobreza, no âmbito energético e bastante polemico durante o governo Correista, Moreno afirma a continuidade na construção de 8 usinas hidrelétricas e a geração de novas indústrias e empregos por meio de tais construções. No que tange a Revolução Ecológica está previsto firmar novos acordos que permitam combater a pobreza de maneira sustentável e inteligente utilizando o património natural de forma a ter um equilíbrio ecológico. Sair da dependência dos recursos também faz parte da sua pauta discursiva por meio da dinamização da industria siderúrgica e seus aportes.

Posto isto, vamos a Espada de Dâmocles[4] com a crise financeira que assola o mundo todo em vários níveis e os baixos preços das matérias primas que debilitam a economia, para manter as taxas e lucro os Estados deixam de investir nas áreas sociais e em consequência perdem apoio da população. É esta a chamada transformação facultada pelo dominante. Nenhum dos governos progressistas na América Latina, respeitada a importância de suas reformas, conseguiram qualquer controle ou reversão do capital financeiro, principalmente sob a égide da marcha célere imperial hegemónica. Ao contrário, fomos sim parceiros na nossa condição de subalternidade, na nossa posição mais ou menos crítica, mais ou menos de esquerda. Sabemos que a história não dá passos atrás – el pasado no volverá-, como tragédia ou como farsa acompanharemos como Moreno governará neste capitalismo inacabado e no desenrolar contrarrevolucionário vividos no cone sul em todos os sentidos e que, como é obvio, também é movido por forças contrárias imperialistas às quaisquer emancipações políticas e económicas em nossa pátria grande.




[2] Em alusão ao livro de Karl Marx titulado -  A sagrada família ou a Crítica da Crítica (Boitempo, 2003).
[3] Chasin, José. (1988) A superação do liberalismo. p.02
[4] A espada que Dâmocles descobriu acima de sua cabeça ao ocupar o lugar do rei Dionysius e logo perdeu a vontade de ocupara aquele lugar. A representação da insegurança daqueles com grande poder e quem podem perdê-lo. A espada no caso desse artigo se denomina capital monopolista.

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