Ela nunca imaginou que a vida pudesse ser assim. Num dia, estava na televisão, falando com voz firme, recebendo olhares atentos e respeito. No outro, carregava sacolas pesadas, apertada num ônibus lotado, atravessando bairros onde ninguém parecia querer estar.
Viver na periferia nunca fora problema, sempre morou ali. Mas aquele lugar era diferente. Não havia comunidade, só vizinhança. Gente que passava os dias evitando o outro, como se o afastamento fosse uma forma de se proteger.
No supermercado, a jovem no caixa repetia a mesma pergunta toda semana: “Foi à praia?” ou “Vai à praia?”. Talvez aquela fosse a maneira que encontravam para suportar o verão, falando da praia dos outros. Ou talvez porque ela viesse de uma cidade onde a praia não está tão perto, onde o ritmo da vida é outro, e essa pergunta parecia não fazer sentido.
Desde que perdera os pais, vivia num limbo que parecia não ter fim. Não conseguia se reencontrar, nem sabia se conseguiria. Tudo parecia pela metade, os planos, as conversas, até ela mesma. Como se a vida tivesse seguido em frente sem uma peça essencial, e ela tivesse ficado para trás, silenciosa, quase invisível.
Quis escrever sobre tudo isso, mas as palavras não saíam. Apenas pensamentos difusos. Assim eram seus dias, tentativas desconexas de colocar algo em ordem, fragmentos que nunca se juntavam.
E no meio desse vai e vem, dos sacos pesados e das perguntas repetidas, ela seguia tentando encontrar um canto onde pudesse, finalmente, descansar...ter algum hiato mental.