Nos dias em que queremos ficar sozinhas, uma zona cinza nos arrasta para todo tipo de pensamento ruim. As palavras se confundem, os pensamentos não se concretizam e, quando o fazem, é sempre para a desistência. Besteira para alguns, desânimo para outros. Talvez seja melhor não explicar e evitar a fadiga de ter que organizar o que não é possível. E quando tentamos escapar, ainda que no pensamento, fecha-se um ciclo entre tristeza, frustração, auto-ódio e desistência.
No auto-ódio, me questiono sobre minhas escolhas. Poderia tudo estar e ser diferente — poderia? Já não sei, parece-me que não, quando tudo está cerrado.
Lembro quando jovem gostava de ler Thomas Mann. Passava horas me encontrando naquela literatura triste de contos que falavam da desilusão: “Sabe, meu caro senhor, o que é a desilusão?”, perguntou, num tom baixo e apressado, agarrando a bengala com ambas as mãos. “Não o mau êxito em pequenos assuntos insignificantes, mas a desilusão grande, geral, que engloba tudo, tudo o que faz parte da vida? Não, claro, não sabe. Mas eu tenho sido acompanhado por ela desde a juventude; ela tornou-me solitário, infeliz e, não o nego, um pouco excêntrico.” Ele conseguia escrever o modo como eu me sentia e ainda me sinto.
Em tempos ainda mais difíceis, escrever sempre ajudava. Nas frases soltas, encontrava alguma linearidade, algum sentido naqueles pensamentos confusos. A terapia me ajudava a tentar buscar a causa, ao invés de inventar mentalmente outras causas. O que efetivamente estaria me incomodando? Como mudar? Algumas vezes encontrei uma resposta, em outras tentei e tentei. Daí os dias passaram, e aquilo que parecia uma nuvem cinza foi sendo levada pela brisa dos dias.
Algumas vezes escrevi de forma aleatória e pensava: o tempo vai passar, um dia vou ler isto e perceber que efetivamente não estava bem. Porém, acabei perdendo tudo, e aquilo se tornou uma memória que agora já nem sei se efetivamente vivi.
Estar longe tem suas questões, mas não me refiro a longe do país, mas sim da realidade. Poucos entenderiam o que realmente isto significa. Em todo caso, também não me interessa explicar; as pessoas não nos veem no que somos verdadeiramente. Em tempos de redes sociais, isso fica efetivamente pior. Tudo está sempre no âmbito da aparência. É tudo mentira. Eu mesma não acredito em nada. Custa acreditar que a maioria vive aquela felicidade que propagam. Se efetivamente vivessem isso, bastaria. Não seria necessário mostrar, como se precisassem — e, de fato, precisam — da validação de outros.
Daí tento recordar qualquer coisa positiva do antes. Qual antes? Antes da consciência de que sou uma pessoa tristemente doente. Um dia desses me perguntaram sobre a distância e o quanto isto poderia levar à tristeza. Não acho que seja bem assim. Há tempos aprendi a estar sozinha, experimentando o abismo de distâncias em todos os níveis, seja por conta do distanciamento, da não identificação, da ausência de partilha de histórias em comuns, da ausência de aproximação de um mundo comum. Alguns elos frágeis me unem a outras pessoas. São ligações como teias de aranha que podem se desfazer a qualquer momento. E foi assim que experimentei a solidão.
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