segunda-feira, 24 de junho de 2024

Sete breves lições de física: uma reflexão da periferia


Este texto é parte de uma dívida grandiosa que tenho com meus amigos, uma vez que somos parte daquilo que nos rodeia. Resolvi redigi-lo a partir da proximidade e do agradecimento que tenho a duas pessoas muito especiais. Dete, amiga de infância, na época do pré-vestibular, me recordo como se fosse hoje. Ela não sabia bem o que fazer, já que trabalhávamos, e fazer uma faculdade nunca foi uma questão a ser pensada com a seriedade devida. Estudou, tornou-se física nuclear, um orgulho para mim. Mulher, periférica e física, isso não é pouca coisa. No meu entender, a partir das nossas dificuldades concretas da periferia em sua luta pelos estudos, valoro-a como se fosse o Einstein do nosso bairro. Dete gostava dos números, era muito ágil, pensamentos rápidos, diferentes de mim, que demorava porque estava sempre questionando os porquês.

A outra amiga fundamental desta escrita é Aline Leme, amiga do bairro, do lugar periférico, com os mesmos vícios que nos atravessam na Cidade São Jorge. Falamos hoje ainda do nosso cansaço generalizado por termos construído um caminho em meio a tantas pedras. Hoje as coisas parecem mais fáceis e tudo parece mais próximo; naquela época, tudo parecia muito distante. Estudar era algo como luz no final do túnel. Aline estudou na Universidade Pública mais elitista de São Paulo, um esforço hercúleo desde a distância até a sua permanência de pertencimento no lugar que nunca foi nosso. Ela é a pessoa mais apaixonada pelas fórmulas que conheço. Como poucos, consegue sonhar por meio de números e transformar sua paixão em aulas de matemática que são espetáculos, como merece o nosso povo. Ela é matemática, mas para mim compara-se a Max Planck, o físico, um pilar na física do século XX. Planck, ao calcular o campo elétrico no interior de uma caixa quente, destoou de tudo que se conhecia na época, quando a energia era tratada de maneira contínua. Estranhavam a visão de Planck na concepção da energia como pequenos tijolos (Rovelli, 2016:20).

Aline é como Planck, alguém que destoa do seu pequeno mundo, entretanto, quer crescer. É Einstein que vai, cinco anos depois da hipótese de Planck, comprovar os "pacotes de energia", escrevendo que a energia de um raio de luz não se distribui de maneira contínua no espaço, mas consiste em um número finito de "quanta" de energia que se movem, não se dividem e são produzidos e absorvidos como unidades singulares (Rovelli, 2016, 21). Na mecânica quântica, nenhuma partícula tem uma posição definida, a não ser quando colide com algo. Quando acontece a colisão, não é possível prever seus saltos, que são ao acaso; há probabilidades, mas não uma certeza, e a incerteza está no coração da física (Rovelli, 2016: 24). Para nós, faz muito sentido transpor as incertezas da física e a nossa colisão com o mundo que vivíamos e que vivemos. Nos rebelamos desde cedo, ainda o fazemos, e somos improváveis em nossos caminhos. Recorremos à coragem de ocupar o não ocupado, de pensar o não pensado, e de voltar ao nosso estatuto, sempre com o orgulho devoluto ao nosso povo.

São estes dois pilares, Aline e Dete, que me colocaram no caminho dos números e das Ciências Naturais. Como socióloga, sempre gostei, mas pude ir além, nos sonhos atravessados das amigas de infância, ir buscar as fórmulas, suas deduções, enquanto alguns estranham até hoje minha paixão pela física. Parte deste amor agora se explica. Somos seres sociais; são os amigos que nos talham e a ciência nos revela como compreender melhor o mundo, indicando a imensidão que ainda desconhecemos. O conhecimento é nossa busca insana, capaz de nos dar outras possibilidades de mundo e de vida... À medida que nosso conhecimento cresceu, fomos aprendendo cada vez mais esta noção de sermos parte, e pequena parte, do universo (Rovelli, 2016). Segundo os grandes físicos, o presente é algo que escoa, ele não é comum a todos. Então, registrar é um ato de existência. Até o fim, o desejo de entender sempre mais... (Rovelli, 2016).

Posto isto, resolvi ler "Sete Breves Lições de Física" como uma tentativa de buscar livros acessíveis para os alunos, os jovens, aqueles também apaixonados pelos números, mas que encontram poucos referenciais. O livro é ótimo, didático, e adentra conosco lentamente a conhecer as dúvidas entre os cientistas mais renomados do seu tempo, entre o pensar e o agir, alguns encarados inicialmente como tolos e que muitas vezes tiveram que retroceder e recuar em seu ideário inicial. 

O pensamento científico é nutrido pela capacidade de ver além, "diferente", e não simplesmente pela mera reprodução do mesmo, como uma fotografia que revela o instantâneo, mas sim pela percepção do que não é visível na imediaticidade, aquilo que não aparece aos olhares pouco sensíveis. A contradição entre Einstein e Planck são as duas vozes infindas do século XX; a relatividade geral e a mecânica quântica são duas formas diferentes de ver o universo. O mundo é um espaço curvo onde tudo é contínuo; o mundo é um espaço plano onde pululam "quantas" de energia, e a ciência se torna cada vez mais majestosa porque se encontra frente a dois conceitos geniais, e se pode pensar a partir dos caminhos já traçados e abandonados, esforçando-se para reunir a inspiração enquanto ainda existe bruma, e podemos interagir com todas estas variáveis para pensar o novo (Rovelli, 2016:50). Nós, na periferia, somos como elétrons em nossos lugares; às vezes saltamos e nos transformamos em átomos, deixando um legado para que outros nos sigam.





sexta-feira, 21 de junho de 2024

sobre a solidão e a desilusão


Nos dias em que queremos ficar sozinhas, uma zona cinza nos arrasta para todo tipo de pensamento ruim. As palavras se confundem, os pensamentos não se concretizam e, quando o fazem, é sempre para a desistência. Besteira para alguns, desânimo para outros. Talvez seja melhor não explicar e evitar a fadiga de ter que organizar o que não é possível. E quando tentamos escapar, ainda que no pensamento, fecha-se um ciclo entre tristeza, frustração, auto-ódio e desistência.

No auto-ódio, me questiono sobre minhas escolhas. Poderia tudo estar e ser diferente — poderia? Já não sei, parece-me que não, quando tudo está cerrado.

Lembro quando jovem gostava de ler Thomas Mann. Passava horas me encontrando naquela literatura triste de contos que falavam da desilusão: “Sabe, meu caro senhor, o que é a desilusão?”, perguntou, num tom baixo e apressado, agarrando a bengala com ambas as mãos. “Não o mau êxito em pequenos assuntos insignificantes, mas a desilusão grande, geral, que engloba tudo, tudo o que faz parte da vida? Não, claro, não sabe. Mas eu tenho sido acompanhado por ela desde a juventude; ela tornou-me solitário, infeliz e, não o nego, um pouco excêntrico.” Ele conseguia escrever o modo como eu me sentia e ainda me sinto.

Em tempos ainda mais difíceis, escrever sempre ajudava. Nas frases soltas, encontrava alguma linearidade, algum sentido naqueles pensamentos confusos. A terapia me ajudava a tentar buscar a causa, ao invés de inventar mentalmente outras causas. O que efetivamente estaria me incomodando? Como mudar? Algumas vezes encontrei uma resposta, em outras tentei e tentei. Daí os dias passaram, e aquilo que parecia uma nuvem cinza foi sendo levada pela brisa dos dias.
Algumas vezes escrevi de forma aleatória e pensava: o tempo vai passar, um dia vou ler isto e perceber que efetivamente não estava bem. Porém, acabei perdendo tudo, e aquilo se tornou uma memória que agora já nem sei se efetivamente vivi.

Estar longe tem suas questões, mas não me refiro a longe do país, mas sim da realidade. Poucos entenderiam o que realmente isto significa. Em todo caso, também não me interessa explicar; as pessoas não nos veem no que somos verdadeiramente. Em tempos de redes sociais, isso fica efetivamente pior. Tudo está sempre no âmbito da aparência. É tudo mentira. Eu mesma não acredito em nada. Custa acreditar que a maioria vive aquela felicidade que propagam. Se efetivamente vivessem isso, bastaria. Não seria necessário mostrar, como se precisassem — e, de fato, precisam — da validação de outros.

Daí tento recordar qualquer coisa positiva do antes. Qual antes? Antes da consciência de que sou uma pessoa tristemente doente. Um dia desses me perguntaram sobre a distância e o quanto isto poderia levar à tristeza. Não acho que seja bem assim. Há tempos aprendi a estar sozinha, experimentando o abismo de distâncias em todos os níveis, seja por conta do distanciamento, da não identificação, da ausência de partilha de histórias em comuns, da ausência de aproximação de um mundo comum. Alguns elos frágeis me unem a outras pessoas. São ligações como teias de aranha que podem se desfazer a qualquer momento. E foi assim que experimentei a solidão.



terça-feira, 18 de junho de 2024

a necessidade de esperança e a luta por mudanças na América Latina


Quando lembramos do enterro de Getúlio Vargas, aquela multidão de pessoas querendo tocar no caixão (sim, temos história e ela segue se repetindo como tragédia/farsa), entendemos parte da necessidade de ter esperança em algo que altere minimamente nossa vida pautada no trabalho e no presentismo.

Aqui, não estou discutindo as políticas do “Getulismo” — podemos fazer isso em outro momento — mas sim o que essas lideranças representam para o povo. Meus pais, por exemplo, chamavam Vargas de "pai dos pobres". Isto não é uma especificidade nossa; todos os países da América Latina tiveram o seu "salvador".

A figura do salvador na América Latina reflete nossa dependência econômica, a forma como sofremos na sobrevivência, e a necessidade de ter um "alento". E SIM, eu estou comemorando também — ninguém vai tirar isso de mim. Porém, é importante lembrar que, historicamente, todas as figuras personificadas na liderança vieram como tentativas de criar consenso, ou seja, abafar o grito desesperado de um povo em crise que poderia ser sujeito, mas que, sem forças, coloca em alguém (outro) seus anseios.

Vargas no Brasil e Perón na Argentina, por exemplo, implementaram uma série de regulamentações trabalhistas como mecanismos de contenção dos trabalhadores. Essas regulamentações obviamente ajudaram o trabalhador, mas acabaram por abafar suas lutas, dando como vitória somente a legislação. O chamado progressismo da última década também surge nesse ideário. A população, descontente com as reformas neoliberais impostas, segue sofrendo e busca uma alternativa desesperada. Assim, muitos governos ditos de esquerda ganham as eleições em vários países.

Todos esses governos implementaram políticas voltadas à transferência de renda às famílias, com base nos objetivos de desenvolvimento do Milênio e no cumprimento de uma das sanções da Organização das Nações Unidas iniciada no ano de 2000, para erradicação da pobreza como item prioritário. SIM! Importa diminuir a pobreza, porém precisamos avançar na questão central, que não é apenas redistribuição de renda, mas sim, o que gera a vergonhosa pobreza.

Nenhum dos governos progressistas na América Latina, respeitada a importância de suas reformas, conseguiu qualquer controle ou reversão do capital financeiro, principalmente sob a égide da marcha célere imperial hegemônica. Ao contrário, fomos parceiros na nossa condição de subalternidade, na nossa posição mais ou menos crítica, mais ou menos de esquerda. Sabemos que a história não dá passos atrás — "el pasado no volverá". Só para dizer que precisamos criar um estatuto nacional autêntico.

Este pequeno texto abre espaço para uma série de outras reflexões, mas não podemos abandonar a luta por um novo ser humano, na sociedade que queremos e que deixaremos. Entender a especificidade da situação latino-americana e os nossos problemas não é uma tarefa simples. E me recuso a acreditar que estamos condenados. Quando as cortinas se levantam, percebemos como os fios da trama estavam sendo tecidos. Aproveitemos este momento. O que definirá as mudanças é nosso amadurecimento daqui para frente. 

Perdoem a vulgarização dos conceitos.