Este texto é parte de uma dívida grandiosa que tenho com meus amigos, uma vez que somos parte daquilo que nos rodeia. Resolvi redigi-lo a partir da proximidade e do agradecimento que tenho a duas pessoas muito especiais. Dete, amiga de infância, na época do pré-vestibular, me recordo como se fosse hoje. Ela não sabia bem o que fazer, já que trabalhávamos, e fazer uma faculdade nunca foi uma questão a ser pensada com a seriedade devida. Estudou, tornou-se física nuclear, um orgulho para mim. Mulher, periférica e física, isso não é pouca coisa. No meu entender, a partir das nossas dificuldades concretas da periferia em sua luta pelos estudos, valoro-a como se fosse o Einstein do nosso bairro. Dete gostava dos números, era muito ágil, pensamentos rápidos, diferentes de mim, que demorava porque estava sempre questionando os porquês.
A outra amiga fundamental desta escrita é Aline Leme, amiga do bairro, do lugar periférico, com os mesmos vícios que nos atravessam na Cidade São Jorge. Falamos hoje ainda do nosso cansaço generalizado por termos construído um caminho em meio a tantas pedras. Hoje as coisas parecem mais fáceis e tudo parece mais próximo; naquela época, tudo parecia muito distante. Estudar era algo como luz no final do túnel. Aline estudou na Universidade Pública mais elitista de São Paulo, um esforço hercúleo desde a distância até a sua permanência de pertencimento no lugar que nunca foi nosso. Ela é a pessoa mais apaixonada pelas fórmulas que conheço. Como poucos, consegue sonhar por meio de números e transformar sua paixão em aulas de matemática que são espetáculos, como merece o nosso povo. Ela é matemática, mas para mim compara-se a Max Planck, o físico, um pilar na física do século XX. Planck, ao calcular o campo elétrico no interior de uma caixa quente, destoou de tudo que se conhecia na época, quando a energia era tratada de maneira contínua. Estranhavam a visão de Planck na concepção da energia como pequenos tijolos (Rovelli, 2016:20).
Aline é como Planck, alguém que destoa do seu pequeno mundo, entretanto, quer crescer. É Einstein que vai, cinco anos depois da hipótese de Planck, comprovar os "pacotes de energia", escrevendo que a energia de um raio de luz não se distribui de maneira contínua no espaço, mas consiste em um número finito de "quanta" de energia que se movem, não se dividem e são produzidos e absorvidos como unidades singulares (Rovelli, 2016, 21). Na mecânica quântica, nenhuma partícula tem uma posição definida, a não ser quando colide com algo. Quando acontece a colisão, não é possível prever seus saltos, que são ao acaso; há probabilidades, mas não uma certeza, e a incerteza está no coração da física (Rovelli, 2016: 24). Para nós, faz muito sentido transpor as incertezas da física e a nossa colisão com o mundo que vivíamos e que vivemos. Nos rebelamos desde cedo, ainda o fazemos, e somos improváveis em nossos caminhos. Recorremos à coragem de ocupar o não ocupado, de pensar o não pensado, e de voltar ao nosso estatuto, sempre com o orgulho devoluto ao nosso povo.
São estes dois pilares, Aline e Dete, que me colocaram no caminho dos números e das Ciências Naturais. Como socióloga, sempre gostei, mas pude ir além, nos sonhos atravessados das amigas de infância, ir buscar as fórmulas, suas deduções, enquanto alguns estranham até hoje minha paixão pela física. Parte deste amor agora se explica. Somos seres sociais; são os amigos que nos talham e a ciência nos revela como compreender melhor o mundo, indicando a imensidão que ainda desconhecemos. O conhecimento é nossa busca insana, capaz de nos dar outras possibilidades de mundo e de vida... À medida que nosso conhecimento cresceu, fomos aprendendo cada vez mais esta noção de sermos parte, e pequena parte, do universo (Rovelli, 2016). Segundo os grandes físicos, o presente é algo que escoa, ele não é comum a todos. Então, registrar é um ato de existência. Até o fim, o desejo de entender sempre mais... (Rovelli, 2016).
Posto isto, resolvi ler "Sete Breves Lições de Física" como uma tentativa de buscar livros acessíveis para os alunos, os jovens, aqueles também apaixonados pelos números, mas que encontram poucos referenciais. O livro é ótimo, didático, e adentra conosco lentamente a conhecer as dúvidas entre os cientistas mais renomados do seu tempo, entre o pensar e o agir, alguns encarados inicialmente como tolos e que muitas vezes tiveram que retroceder e recuar em seu ideário inicial.
O pensamento científico é nutrido pela capacidade de ver além, "diferente", e não simplesmente pela mera reprodução do mesmo, como uma fotografia que revela o instantâneo, mas sim pela percepção do que não é visível na imediaticidade, aquilo que não aparece aos olhares pouco sensíveis. A contradição entre Einstein e Planck são as duas vozes infindas do século XX; a relatividade geral e a mecânica quântica são duas formas diferentes de ver o universo. O mundo é um espaço curvo onde tudo é contínuo; o mundo é um espaço plano onde pululam "quantas" de energia, e a ciência se torna cada vez mais majestosa porque se encontra frente a dois conceitos geniais, e se pode pensar a partir dos caminhos já traçados e abandonados, esforçando-se para reunir a inspiração enquanto ainda existe bruma, e podemos interagir com todas estas variáveis para pensar o novo (Rovelli, 2016:50). Nós, na periferia, somos como elétrons em nossos lugares; às vezes saltamos e nos transformamos em átomos, deixando um legado para que outros nos sigam.