Olha o sangue na mão - ê, José[1]
Não
escrevi este texto para falar de mim, embora também apareça por meio dele. Romper
alguns ciclos não os excluí de mim e qualquer passo em falso pode me fazer
retornar de onde nunca saí. José dos Santos, meu pai, homem negro e refém de
sua história, oriundo de uma família branca composta por trabalhadores
militantes, envergonhava-se emudecido por não conseguir reagir quando o racismo
mal era discutido e sua condição rechaçada no seio familiar. Muitas coisas
escondidas no recôndito de sua mente, nunca as verbalizou. Sua situação de
aniquilamento foi naturalizada, viveu em um país que se orgulhava de sua
“democracia racial”, mas que na prática reafirmava a exclusão em todos os
âmbitos. Psiquicamente debilitado e invisibilizado no seu pequeno mundo
social/familiar, teve como libertação a morte, sua luta foi vencer-se através
dos filhos e das pequenas reclamações cotidianas reivindicando melhorias na sua seção no chão de fábrica, como era
chamada a área de fabricação das peças metalúrgicas.
Música
[1] Trecho da música Domingo no Parque de Gilberto Gil, que
meu pai não gostava, mas cantava constantemente ao meu lado.
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