Após um mês do assassinato de Marielle Franco, continuamos sem respostas para tal crime, algo comum para aqueles e aquelas que convivem com isso desde o nascimento. E não falo apenas dos moradores das periferias brasileiras, mas sim dos negros e negras brasileiros que conhecem de perto o drama da morte.
Muita gente se recusa a aceitar a origem de Marielle Franco, uma mulher negra, periférica e lésbica. Afirmam: “foi um crime político”. Para além disso, gostaria que explicassem como eu e muitas outras mulheres negras e periféricas nos dividimos no cotidiano: somos só negras, só mulheres e de repente somente sujeitos políticos. São estes que desconhecem a constituição do povo brasileiro que entoam hoje a chamada esquerda brasileira com sua síndrome de Princesa Isabel. Não nos querem como intelectuais atuantes em diversas áreas da sociedade, mas sim como um símbolo. São os abolicionistas que, assim como Princesa Isabel, levam os louros de uma luta que já existia entre os negros e negras brasileiros, mas é pouco conhecida, pois a história nos apaga. Em contrapartida, estamos entre (e ao lado) dos subalternos, dos oprimidos, da nossa composição de classe que é heterogênea, mas conectada em suas opressões. Esta é a noção de interseccionalidade, o “nó” do termo cunhado pela jurista afro-americana Kimberlé Crenshaw (1989): todas as múltiplas violências sofridas se encontram, se sobrepõem e colocam a mulher negra na base dessa pirâmide, daí a morte do seu pensamento, do seu posicionamento e também dos seus corpos.
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Imagem da Revolta dos Malês - google |
Contudo, estamos à mercê da política em uma sociedade que ainda não nos aceita. Muitos negros e negras dividem um sentimento desconfortável quando vemos que a morte de Marielle Franco está sendo usada como plataforma política. Vale tudo por uma eleição? É só assim que sabemos lutar? Por meio de disputas eleitorais e ocupação do Estado? Para nós, nunca foi assim. Temos que lutar pela sobrevivência desde o nascimento; logo, poucos vislumbram uma luta dentro da organização estatal. “Corremos por fora”, como se diz por aí.
E é por estas e outras razões que, no Brasil, os donos do poder dormem tranquilos, porque as investidas contra o capital são inexistentes. A direita pode sair às ruas com sua bandeira torpe que serve apenas ao reacionarismo mais rebaixado, buscando uma realidade “deles e para eles”, ou seja, monomaníaca. Claro que nos excluirá! O que faremos? Começamos por não enganar uns aos outros; tratemos a realidade como ela é. Um governante deste ou daquele partido, por mais bem-intencionado que seja, entrará no chorume exposto e esfregado todos os dias em nossas caras.
Sofremos para que outros possam viver bem, às nossas custas. Somos conscientes da nossa condição, das dores que nos atravessam. Somos negras, também trabalhadoras, também mulheres, também periféricas; somos diversas lutas de uma mesma classe com seus sofrimentos e suas especificidades, mas somos uma classe. E não se enganem, o levante dos Malês virá contra todos e todas que nos oprimem, que nos usam, que nos expropriam em todos os sentidos.
Muito bem pontuado.
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