domingo, 24 de dezembro de 2017

Natal, e não dezembro


Natal, e não Dezembro

Entremos, apressados, friorentos, 
numa gruta, no bojo de um navio, 
num presépio, num prédio, num presídio, 
no prédio que amanhã for demolido... 
Entremos, inseguros, mas entremos. 
Entremos, e depressa, em qualquer sítio, 
porque esta noite chama-se Dezembro, 
porque sofremos, porque temos frio. 

Entremos, dois a dois: somos duzentos, 
duzentos mil, doze milhões de nada. 
Procuremos o rastro de uma casa, 
a cave, a gruta, o sulco de uma nave... 
Entremos, despojados, mas entremos. 
Das mãos dadas talvez o fogo nasça, 
talvez seja Natal e não Dezembro, 
talvez universal a consoada. 

David Mourão-Ferreira, in 'Cancioneiro de Natal' 

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Dia 20 de novembro dia da consciência negra


Hoje é dia de luta, para os negros e negras do mundo todo dia o é...
mas também é um dia para lembrarmos das nossas conquistas e dos nossos lutadores que pavimentaram os caminhos para que seguíssemos. 


o faço de forma simbólica por meio deste video que resgata a história das mulheres negras lutadoras.



sábado, 11 de novembro de 2017

O cavalo de Tróia e a Misoginia


Fernanda Pimentel - Professora e Socióloga

Um dos elementos nucleares 
do patriarcado reside exatamente no 
controle da sexualidade feminina /.../ 
Heleieth Saffioti 


Uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou, no último dia 9, a PEC 181. No parecer, o relator defende o conceito de proteção da vida a partir da concepção. Na prática, pretende-se proibir o direito ao aborto em toda e qualquer situação. 

Exemplifico. Aquela criança com 9 anos de idade que foi estuprada pelo padrasto, ou aquela menina de 15 que foi estuprada pelo vizinho ou ainda aquela moça que pega o último ônibus e volta tarde da noite da faculdade ou do emprego e foi estuprada por um desconhecido num beco escuro, todas elas, se engravidarem, serão obrigadas a ter um filho resultado de uma violência.  Soa exagerado? Mas não é. 

Segundo o 11º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registrou 135 estupros por dia em 2016. De acordo com o Sistema de Informações de Agravo de Notificação do Ministério da Saúde (Sinan), 70% das vítimas são crianças e adolescentes. Os números são alarmantes, mas não mostram a realidade por completo já que o crime é subnotificado, estima-se que somente 10 % dos casos cheguem ao conhecimento da polícia. 

O mesmo vale para os casos nos quais a mãe corre risco de vida ou quando o feto é anencéfalo. Proibição total do direito ao aborto. 

Espanta a manobra descarada feita pelos deputados para incluir a pauta do aborto em um PL sobre aumento da licença-maternidade para mães de prematuros. É aí que o Cavalo de Tróia mostra seu interior: a misoginia. 

Ao mesmo tempo, vem a indagação, parafraseando Saffioti, por que a Câmara dos Deputados não seria sexista? São, atualmente, 45 deputadas contra 468 homens. Na comissão da PEC 181, foram 18 votos masculinos a favor e 1 voto feminino contra. Sintomático.

O patriarcado ou ordem patriarcal de gênero é demasiadamente forte, atravessando todas as instituições, como já se afirmou. Isto posto, por que a Justiça não seria sexista? Por que ela deixaria de proteger o status quo, se aos operadores homens do Direito isto seria trabalhar contra seus próprios privilégios?”. (Heleieth Saffioti, Gênero, Patriarcado e Violência.

Também é preocupante a forma como a discussão sobre aborto vem sendo pautada no Brasil. Em boa parte orientada por preceitos religiosos que deveriam ser escolhas individuais e não impostos, na forma da lei, a toda uma população. 

Falar sobre o assunto partindo do pressuposto de que a vida começa a partir da concepção é uma armadilha perversa, um engodo para atrair inocentes e fanáticos que corroborem posturas reacionárias. Tal pressuposto retira do debate toda a sua dimensão social, além de reafirmar, de maneira torpe, a naturalização da maternidade. Sobre a possibilidade de escolha da maternidade como um fundamento da liberdade das mulheres, Saffioti afirma:

"Resta à sociedade a possibilidade de enclausurar a mulher em situações nas quais a única saída seja a maternidade e, deste modo, induzi-la a conceber carne para canhão, como fez o nazismo. Ao tornar o papel reprodutivo da mulher um substituto de seu papel produtivo, a sociedade potencia a determinação sexo, distanciando, na esfera social, a mulher do homem. Eis por que a liberdade feminina está estreitamente ligada à possibilidade de a mulher aceitar ou rejeitar livremente a maternidade." ( A mulher na sociedade de classes: Mito e Realidade.) 

A discussão sobre aborto, ao contrário do que propaga a bancada evangélica, deve necessariamente ser fundamentada pelo contexto histórico e social concernente à vida das mulheres no Brasil. 

Para tanto, fundamental é considerar as consequências da criminalização. Números da Organização Mundial da Saúde mostram que a cada dois dias 1 mulher morre vítima das complicações de aborto clandestino no país e mais de 1 milhão de mulheres se submetem a abortos clandestinos anualmente. 

Diante desse quadro, outro fator crucial é considerar a ineficácia da proibição. Dados da Pesquisa Nacional de Aborto mostram que, em 2010, 1 em cada 5 mulheres entre 18 e 39 anos já recorreu a pelo menos 1 aborto na vida. Você, com certeza, conhece uma dessas mulheres, são mães, irmãs, trabalhadoras, mulheres que estão entre nós todos os dias. 

A proibição do aborto é eficaz em matar mulheres. O movimento feminista está associando a PEC 181 ao Cavalo de Tróia. Sorrateiro e perverso, o suposto benefício traz em si o completo menosprezo pelas mulheres e o peso de sua subjugação ao patriarcado. 

Legalizar o aborto é defender a vida.

domingo, 5 de novembro de 2017

Lembrai do 5 de novembro



Para além do inicio do Exame Nacional do Ensino Médio 5 de novembro também é a data lembrada no empolgante filme V de Vingança que conta a história do Guy Fawkes que tentou assassinar o Rei Jaime I e explodir o parlamento inglês





quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Werner Reich - o sobrevivente do Holocausto






Foto Elaine Santos 

Em tempos onde o conservadorismo cresce mundialmente junto com os valores de odio e de intolerância, voltemos a falar do sepultamento da humanidade do período nazista. No dia 23 de outubro ouvimos com atenção a Werner Reich um dos sobreviventes do holocausto, ficou conhecido como o “Mágico de Auschwitz”, no auditória da Reitoria da Universidade de Coimbra. Atualmente com 92 anos de idade, Werner, era uma criança quando foi levado ao campo de concentração Auschwitz-Birkenau em 1944.


Certamente o dia 23.10 ficará marcado na memória daqueles que estiveram presentes no auditório da Universidade de Coimbra e puderam ouvir o relato do homem que sobreviveu ao extermínio sistematizado e burocraticamente organizado de todos os considerados impuros, não alemães.




Fotografia: © Newsday / J. Conrad Williams, Jr

Em um auditório com mais 500 pessoas, Werner foi recebido com ansiedade por muitos dos jovens estudantes que ali estavam presentes, muitas assistiram o evento do lado de fora. Segundo o organizador do evento, ele aceitou falar com a condição que seu relato chegasse aos jovens. Atualmente avô e vivendo nos Estados Unidos, Werner relatou que passou a ser conferencista como maneira de garantir que aquela tragédia jamais fosse esquecida.

Nascido em 1928 foi enviado aos 16 anos ao campo de concentração em Auschwitz Birkenau local onde 6 mil judeus foram executados. Como judeu fez parte de um grupo denominado Birkenau Boys, que formavam os 96 escolhidos a esmo por Dr. Josefe Mengele, que era médico e passou a ser conhecido como o “anjo da morte” ou “anjo branco” e escolheu Werner para executar trabalho escravo e foi assim que conseguir escapar da execução, foi libertado na Áustria pelas tropas americanas em 1945. Quando escapou Werner se considerou “livre” chegou na Iugoslávia dominada por Marechal Tito, mesmo apoiando o comunismo, Werner era um judeu, logo, foi sempre visto e discriminado como um “outsider”.

Em tempos de um mundo cada vez mais conservador, em que valores fundamentalistas exalam em distintos níveis e ambientes, Werner nos fez enxergar o quão primitivo ainda somos.  Esta nossa capacidade de pensar o undo, de atribuir sentido à realidade e transmitir aos outros encontra-se desencontrada somos capazes de culpar uns aos outros por aquilo para o qual não temos uma resposta imediata. Culpabilizar os judeus para as crises econômicas na Alemanha foi a justificava mais anistórica que já vivemos sob a premissa de destruir e dizimar todos aqueles considerados racialmente inferiores.

A história ainda vive sua infância, aqueles que hoje ouviram estarrecidos os relatos de um sobrevivente dos campos de concentração certamente voltarão às suas casas incomodados. Não é possível ouvir e ver aquelas cenas de forma despercebida. O darwinismo social ainda tem muita força e acaba como justificativa para as arbitrariedades que ocorrem em todo o mundo, muitas das ações contra os imigrantes, os oriundos de países mais pobres, nos faz lembrar que a crença na superioridade racial ainda subsiste dentro da sociedade. Werner, o “Mágico de Auschwitz”, que aprendeu a fazer magia como mecanismo de escapar da completa desumanização, bem como fez o também sobrevivente Primo Levi que se suicidou, todavia, deixou seus escritos como uma forma de contar aos outros o que viveu, como ele mesmo disse não era uma maneira de expor e ressaltar novas denuncias, ao contrário, queria demonstrar as almas infectadas, que, coordenadas ou não, permanecem entranhadas na origem de uma pensamento violento, dentro de um sistema que estimula a competição e o individualismo. Enquanto isto existir nunca estaremos livres de fato, Werner finalizou sua fala dizendo que podemos voltar a viver um novo Holocausto em maior ou menor violência, porém enfatizou que façamos nos sempre gritar sem passividade, para que a aparente surdez comece a ouvir.

Publicado Originalmente em